Éden


in 10/10/2013

Não há nada a querer, nada a fazer. O mundo já foi criado por Deus. Nosso único dever é receber os inúmeros dons que nos são dados a cada segundo: a visão, a audição, a riqueza dos sentimentos, a profundeza e a luminosidade dos seres.

Deus é a razão de toda alegria no mundo. Cada vez que a beleza emerge, Deus se manifesta no mundo. É muito fácil encontrar Deus. Ele está no mais íntimo da alegria de existir, de respirar, de sentir.

Quando meditamos, oramos, deixamos de agir. Deixamos igualmente de nos mover pela irritação e pelo sentimento de falta que vemos chegar e se dissolver. Basta abandonar a agitação para nos dar conta de que podemos deixar o mundo ser tal como é, que podemos gozar da simples existência sempre presente, sempre disponível.





O Jardim do Éden não pode ser nem produzido e nem construído. Nosso dever é parar de desejar, agir, manipular, fabricar, calcular e nos contentar em observar o mundo, nós mesmos, nosso corpo, nossas emoções, o livre jogo do intelecto.

A Árvore do conhecimento do bem e do mal, para mim, designa a virtualidade permanente da queda na dualidade, no julgamento, na vergonha, no conflito de si contra si, na dor, no trabalho.

No Jardim do Éden, ainda não se “pensa”, simplesmente não se pensa. Adão e Eva colhem os frutos de todas as árvores. Tudo o que lhes acontece é um dom de Deus. Eles desfrutam consigo mesmos e um com o outro. Gozam integralmente do instante, da luz do primeiro momento, já que sempre é o primeiro momento, antes de o tempo começar a correr...

Retornar ao Jardim é voltar antes do tempo, antes da dualidade, suspender o julgamento, abandonar a crítica, não fazer nem trabalhar.

Quando Adão mordeu a maçã, Deus lhe perguntou: “Onde está você?”. A voz de Adão ressoa no espírito de Deus que parte em exílio: “Onde está você?”. A voz impessoal assinala a Deus, ao Homem, que Ele, virtualmente, já não está mais no Jardim do Éden, no Jardim de Epicuro. Não está mais lá, no presente eterno, em oração perpétua, em meditação constante. Passou para o julgamento, para a comparação, a crítica, a autocrítica, a vergonha, o medo... Tinha tudo. Mas depois que comeu a maçã, morre de sede.

Essa história se repete em cada um de nós, a cada minuto de nossa vida. Uma parte minha me estende a maçã, a parte da tentação de falhar, a parte da necessidade, da sede insaciável. Eu a mordo. Tenho vergonha, me cubro, me divido em aparência e realidade, em você e eu, em bem e mal. “Onde está você?”. Fujo do Jardim. Do Jardim que sou eu.

O anjo com a espada de fogo que guarda a porta do Éden nos mostra que o Jardim ainda está aí, que está sempre aí, exatamente aí. 


Que é inacessível àqueles que são prisioneiros da seriedade da vida, do julgamento, do trabalho, do conhecimento do bem e do mal. Que é inacessível àqueles que não estão “presentes”.

A expulsão do Jardim não é uma punição pela desobediência, mas o resultado automático de nosso próprio julgamento. A saída do Éden não é senão a outra face da dualidade, da falta, da acusação, da culpa. Abandonamos o Jardim porque queremos sofrer e trabalhar. Saímos do Jardim simplesmente porque saímos. “Onde está você?”

Observe mais uma vez a serpente: ela se enrola em torno da árvore do bem e do mal, em torno da dualidade. Escute atentamente a serpente: “Vós sereis como os deuses”. Ela sugere que a divindade julga e cria. Sussurra em nossos ouvidos: “Vós também podeis julgar, como seres divinos. Vós também podeis calcular, manipular, fabricar, trabalhar, criar como os deuses”. Mas Deus não é assim. Deus está constantemente nos convidando a se juntar a ele, a entrar na dança da inocência.

A serpente nos promete que poderemos criar e julgar. Promete-nos o poder. A serpente nos promete “mais”. Ela promete. Joga com nossa esperança de obter algo e com nosso medo de sentir falta de algo. A serpente nos faz esquecer que já temos tudo. A serpente nos faz imaginar um Deus todo-poderoso quando, na verdade, Deus é o Dom da alegria, da alegria de existir mesmo na dor.

O Homem não tem senão duas escolhas de relação com Deus. Ou ser “como Deus”, em uma relação estabelecida sob o signo da comparação, na qual Deus se torna ídolo, signo de poder, sem jamais desfrutar do poder, pois o poder só pode ser signo, idéia de poder, máscara aterradora, e jamais fruição.

Ou então estar “com Deus”, alegre, nu, acolhedor, colhendo todos os frutos do Éden.

Se o mal existe, é preciso evitá-lo. Porque então o mal também está em nós. E se está em nós, precisamos fugir, mentir, nos travestir, nos esconder, mudar o mundo, trabalhar, sofrer.

Se o bem existe, é preciso buscá-lo, agarrá-lo, produzí-lo, conservá-lo, trabalhar, sofrer.

Se o bem e o mal existem, somos expulsos do Paraíso.

E o drama se repete constantemente. A serpente, a Árvore, Deus, Adão, Eva e o Jardim são umas das tantas figuras do mesmo espírito, de nosso próprio espírito, aqui, agora.

“Onde está você?” Estou aí e tudo está aí. Só estou “aí”.

A partir do momento em que quero ser outra coisa que não “aí”, quando quero ser, ter, quando busco um poder, sou expulso do Jardim. Paro de estar aí.

Distinguir o bem do mal e sair do Jardim são um único e mesmo ato. Uma única e mesma Queda.

Sempre estivemos no Jardim. Jamais fomos expulsos dele.


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